Halina Reijn não é nenhuma Catherine Breillat, isso é um fato. Suas imagens não são tão provocadoras quanto. Em Babygirl, a diretora também não chega a ir tão longe no embate ético e moral que a situação da personagem de Nicole Kidman provoca no espectador quanto um Elle de Paul Verhoeven, contudo, sua maneira de desenhar as relações de poder neste filme se mostram interessantes o suficiente para manter o espectador engajado nessa história, ao passo que requer uma fisicalidade e controle de emoções bastante marcantes da personagem principal.
Ultimamente, Nicole Kidman tem aparecido nas telas em papéis similares. O que começou como uma piada se tornou um recorte constante, talvez pela forma como Hollywood trata mulheres maduras em suas narrativas. Kidman está interpretando com frequência o recorte “donas de casa ricas com problemas maritais.” Ela tem se visto nesse papel desde Big Little Lies até a série mais recente da Netflix (a qual, confesso, até esqueci o nome).
Neste filme, a atriz retorna ao papel que parece ser a sua sina depois dos quarenta anos: uma mulher casada, mãe de duas filhas e dona de casa, que desde Big Little Lies nunca mais atraiu tanta atenção ao seu nome, embora sempre surja disto uma atuação minimamente competente. O casting de Halina aproveita disso para inverter a lógica esperada por esses papéis sociais e pela trajetória recente da própria Nicole, adicionando camadas diferentes à personagem desde o primeiro orgasmo fingido.
À medida que o filme se aprofunda na complexidade da personagem que, além de dona de casa amorosa, é uma CEO com um interesse ardente pelo seu novo estagiário, Halina investiga as relações de poder que podem nascer em diferentes contextos: dona de casa versus CEO, chefe versus funcionário, domínio versus submissão. Orbitando em torno do relacionamento proibido e suas nuances, a diretora aproveita o ensejo para discutir a busca pela juventude imposta às mulheres a partir de determinada idade (tema que tem sido cada vez mais frequente este ano, vide A Substância) e o desejo sexual reprimido de mulheres cujo prazer é socialmente reprovável.
Halina enfoca nessa tecnologia ultra-avançada que rodeia a vida desta protagonista, abrindo espaço para pensarmos sobre os desejos humanos que beiram o instintivo, o animalesco, os quais não são atendidos pela robotização do convívio social e das relações interpessoais. Nesse viés, Babygirl pode ser visto para além do seu erotismo, dentro de um pensamento bastante provocador sobre a moralidade de pessoas no poder, como um todo. Em um momento em que falamos muito sobre o assédio sexual em ambientes de trabalho, perpetrado sempre de homens para mulheres, nunca o contrário.
Essa é a discussão mais interessante que a obra provoca, mas que, no entanto, se vê completamente perdida pela tentativa vã de se impor enquanto um ‘thriller’, mesmo que não tenha elementos suficientes para configurar uma tensão que signifique uma ameaça real para a personagem. Quando o filme resolve o problema, o faz de uma maneira tola, que abre espaço para questionar quanto à sua urgência, para começo de conversa. Acaba sendo inconsistente.
Todavia, não deixa de ser um filme interessante para pensar o ponto de vista feminino na abordagem do erotismo e das fantasias sexuais que permeiam tanto mulheres quanto homens, não importando a posição que ocupem em casa, no trabalho ou no sexo. A atuação de Kidman vale cada segundo de tela, pois é como se o monólogo de “Eyes Wide Shut”, aqui, tivesse uma duração de quase duas horas, confirmando a atriz fascinante que é, bem mais complexa do que lhe tem sido oferecido por aí.
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