Das razões pelas quais musicais são tão encantadores, a que mais gosto é da capacidade de transformar o mundo inteiro em um palco. Qualquer lugar se torna propício para um espetáculo, qualquer pessoa pode tocar um instrumento perfeitamente bem, cantar nas alturas, dançar em espaços públicos e se entregar, completamente, à música. É um gênero perfeito para transcender a realidade, feito para os cinemas, para a tela grande e som que nesse espaço penetra na alma.
Em “Centro Ilusão”, novo filme de Pedro Diógenes, é a vez de Fortaleza virar um palco para dois músicos de gerações diferentes, ambos vivendo uma vida de grandes objetivos e muitas desilusões. A história começa quando ambos se conhecem durante uma apresentação de um concurso de música para o LabSom. O projeto é a grande esperança de carreira de ambos os personagens e, para lidarem com a ansiedade do resultado que fica marcado para o período da mesma noite, saem juntos do local da audição em direção ao centro de Fortaleza, jogando conversa fora ao esperar.
É a partir deste momento que o filme toma ares de cinema independente norte-americano - sem nunca perder suas raízes brasileiras e essencialmente nordestinas. No período de uma tarde, as atuações naturalistas e o texto bastante prosaico aproximaram “Centro Ilusão”, ao menos para mim, do sentimento “Antes do Amanhecer” (1995) e “Mesmo Se Nada Der Certo” (2013): filmes que proporcionam uma série de bons momentos e bons sentimentos, em um período muito curto, guiados pelos diálogos entre duas pessoas e pela maneira como, mesmo diante de assuntos difíceis, a conversa parece fluir sem qualquer esforço.
Os dois pontos altos, mesmo, são a atuação de Fernando Catatau e a fotografia. Catatau é um ator e artista cearense que interpreta o personagem Tuca, um músico de 50 anos que tenta ingressar no projeto LabSom pela terceira vez. Seja pela voz, pela habilidade encantadora na guitarra, violão e piano, ou pela forma como interpreta esse adorável sujeito mal-humorado, ele rouba a cena para si todas as vezes. Os outros personagens sobram ao seu lado e, mesmo que a história seja sobre o personagem de Bruno Kunk, Fernando é a grande estrela desse show.
A direção de fotografia, prêmio que o filme levou no Festival do Rio, de fato é essencial para conceder ao longa seu aspecto mais onírico, pois é exatamente onde mora a palavra “ilusão” do seu título. As fiações dos postes se misturando às cordas do violão, a luz do mar que invade a tela nos cabelos de Carla, as duplas, triplas exposições dos prédios da cidade que bagunçam o horizonte, todos exemplos de belos momentos que equilibram bem o aspecto um pouco mais realista da obra com suas possibilidades para sonhar - nem que seja para se iludir.
Nota-se que a nível regional o filme ainda consegue se apresentar como uma homenagem para a cena musical fortalezense. Os personagens secundários também apresentam seus talentos e têm seus momentos de brilhar, o que também me agradou bastante sobre o filme. Em alguns momentos, seu estilo de direção se aproxima de Guto Parente em “Estranho Caminho” (2023), algo que não é uma enorme surpresa aos que conhecem a co-direção de ambos no (maravilhoso) “Inferninho” (2018).
Mais um mérito centra-se na sua montagem, muitas vezes semelhante à montagem de videoclipes. Por fim, é um filme agradável, criativo e interessante, que acaba por elevar ainda mais o nome do diretor dentro do cenário nacional após o também bastante elogiado, “A Filha do Palhaço” (2022).
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