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Foto do escritorFabiana Lima

Estranho Caminho (Mostra SP 2023)

Não conhecia o trabalho de Guto Parente, fui atraída pelo cineasta pela sua origem e pela sinopse do seu filme, Estranho Caminho, que se destacou dentre tantas obras selecionadas quando fui montar minha programação da Mostra de São Paulo. Antes de viajar, vi que um título seu de 2018 estava disponível na Mubi e decidi ir de coração aberto. “Inferninho” passou a ser um dos meus filmes favoritos assistidos em 2023.



Com uma empolgação acima do normal, me encontrei no Reserva Cultural para assistir “Estranho Caminho”, em uma sessão especial, com Guto Parente e o elenco inteiro. E o filme acabou se tornando o meu favorito visto na Mostra SP, no pouco tempo que consegui atender ao Festival. Esse foi o “estranho caminho” que eu percorri para chegar até esse filme, cuja montagem lynchiana similar à de “Inferninho” me deixou encantada, na linha tênue cheia de possibilidades cinematográficas, quando postas lado a lado do universo onírico.


A trama bastante pessoal revela uma experiência do diretor durante a pandemia da Covid-19. O protagonista do filme é um jovem cineasta que saiu de Portugal e precisou retornar à sua cidade natal, Fortaleza, para apresentar um dos seus filmes em um festival de cinema. Quando chega na cidade, é surpreendido pelo avanço desenfreado da pandemia e acaba ficando “preso” com o pai, no Brasil. O que no começo se mostra um verdadeiro fardo para o pai de início, acaba se transformando em uma oportunidade única para que, depois de mais de dez anos sem se falar, a ligação pai e filho seja retomada.


O desenvolvimento gradual do laço paterno é tratado com muito esmero pelo diretor e toda interação entre Carlos Francisco (Marte Um) e Lucas Limeira (Cabeça de Nêgo) é permeada das mais diversas emoções, algumas que nos levam a rir e outras que nos levam a chorar. A dinâmica dos personagens se mostra verdadeiramente encantadora, natural e verdadeira, e quanto mais tempo passamos observando-os, mais queremos ficar.



Com o tempo as sombras da casa do pai, a sensação de claustrofobia e a trilha sonora angustiante vão revelando o lado mais fantástico desse filme, o qual me agradou imediatamente e que se mostra presente, de fato, pela força de apenas uma cena. Ao final, luzes do sol dão vida ao protagonista, nos mostram uma outra forma de olhar para a praia e inauguram um novo momento, um novo viés de uma história que até então parecia ser comum. É fantástico.


Para muitas pessoas, a covid-19 foi uma espécie de buraco no espaço-tempo. Não conseguimos assimilar muito bem vários acontecimentos, várias perdas e várias novas situações, antigas, também. O que aconteceu há muito tempo, o que foi real ou não, acabou tendo, muitas vezes, o mesmo peso. É um fenômeno singular, nunca antes sentido desse modo pelo mundo todo e o filme de Guto Parente é acertado, nesse viés, em não fazer distinção entre o que aconteceu ou o que foi imaginado, o que porventura foi sonhado. A câmera filma esses dois “estados” da mente com a mesma ontologia, fazendo poucas distinções entre o estado onírico e o real. Bem como nos sentimos diante de tudo.


Estranho Caminho tem uma série de qualidades que irão o tornar uma síntese desse estado induzido do sonho pela doença paralisante e inexplicável que pegou o mundo de surpresa, mas que nos deu uma nova forma de encarar nossos próprios demônios - alguns conosco há mais tempo do que queríamos admitir. O filme de Guto Parente é uma espécie de olhar especial para esse momento, mas mais ainda para si. Para o ato de perdoar-se e amar sem perder tempo, um filme que vem da alma e que nos marca justamente por isso.


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