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Foto do escritorFabiana Lima

Eu revi Moonlight.

Under the moonlight, black boys are blue.


Não assistia a Moonlight desde o seu lançamento em 2016. Lembro muito bem de ter vibrado com a vitória do filme na famosa gafe do Oscar do ano seguinte, quando por alguns minutos o (também excelente) La La Land de Damien Chazelle seria o ganhador do cobiçado “Melhor Filme”. Protelei rever o filme de Barry Jenkins por dois motivos principais: o primeiro é que tinha receio de que deixasse de gostar do filme e o segundo é que eu realmente acredito que o tempo acaba mudando muita coisa. Nunca somos a mesma pessoa, nunca vemos o mesmo filme. Uma visão a la Heráclito que é constantemente relacionada ao ato de assistir filmes e não sem razão. 

A revisão veio na mesma semana que assisti Beau Travail de Claire Denis, revi Happy Together de Wong Kar-Wai, e pouco tempo, menos de dois anos, depois de assistir Close do Lukas Dhont. Toda essa conjuntura, bem diferente da primeira vez que assisti o filme quando ainda não tinha interesse na crítica e era uma jovem cinéfila, me fez pensar sobre 1) como é importante agregar referências antes de rever um filme, já que em termos de representatividade LGBTQIA+ Moonlight é um resultado de várias influências incluindo muitas do filme de Wong Kar-Wai, e 2) como geralmente uma vez a cada dez anos, a Academia acerta na escolha do seu vencedor. 


Diante de nomes como Coda (2021) e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), o filme de Barry Jenkins é uma das únicas obras recentes que venceram o prêmio e sobre as quais vale a pena. Dividindo sua história em três partes, Jenkins realiza um estudo de personagem cujo recorte demográfico e social é bastante específico: um homem negro, homossexual, de baixa renda vivendo em Miami, na Florida. Criado com pai ausente e uma mãe adicta, Chiron é cercado por infelicidade e fracasso desde que nasceu. Todas as suas condições os levam a um lugar de marginalidade, desafeto e precariedade. A vida lhe empurra para as margens de todas as formas, lembrando-o sempre que seu lugar já foi designado antes dele e que neste não há nem amor, nem sucesso. 

Como filme, o que Moonlight (2016) realiza não é nenhuma proeza. A história em si é encantadora, mas sua direção não é extraordinária. Embora tente se voltar a filmes menos convencionais, como com suas referências claras ao cinema de Wong Kar-Wai, as tentativas de Jenkins de congelar o tempo nunca chegam a ser tão autorais ou marcantes quanto os step-printings do diretor chinês. É um filme seguro, dentro de uma caixa mais conservadora, algo que eu imagino ter sido algo crucial para fazê-lo chegar o prêmio de Melhor Filme, inclusive. Contudo, isso não deve ser confundido com mediocridade.


No que se propõe a realizar, Moonlight é mais que bem-sucedido e, ao contrário de muitos filmes dramáticos que versam sobre temas parecidos, não parece explorar a dor do seu protagonista a fim de chegar ao ponto. Comove, mas não instiga qualquer espécie de pena por parte do espectador. Existem muitas cenas que são difíceis de assistir, mas nenhuma delas parece querer transformar o filme em um verdadeiro show de chororô. Barry Jenkins filma violência, afeto e solidão da mesma forma: tudo fruto da vivência isoladora de Chiron perante uma sociedade que o repele.


Particularmente, me interessa muito ver filmes como Moonlight (2016), Florida Project (2017) e Nomadland (2020), onde cineastas norte-americanos passaram a encarar o “American Dream” no pós-marxismo, sob uma ótica bem diferente do cinema feito em meados dos anos 90 até parte dos anos 2000, meritocrático e enganoso por essência, cujo ápice nos imaginários das pessoas hoje em dia seria o equivalente ao “À Procura da Felicidade” na sessão da tarde. Dentro de um cenário cada vez mais pessimista, onde o rico fica mais rico e o pobre cada vez mais pobre (bomxibomxibombombom), o cinema estadunidense passou a entender que o interesse do público atual estaria mais direcionado à desconstrução do ideal romântico do capital.

A ironia do sistema, é claro, é que quem lucra com isso continua sendo o próprio capitalismo Uma autocrítica que se transforma em bilheteria, apontando para o fato de que o interesse do povo não tarda em sempre transformar-se em lucro. Contudo, de volta ao meu ponto (idealista) principal ao escrever este texto: ao rever Moonlight, percebo ser este um dos únicos bons exemplos do (possível?) lucro justo. Seus recordes são mais do que válidos, a forma como marcou a história também.


Se hoje temos o primeiro filme LGBTQIA+ a vencer um prêmio tão importante em quase 90 anos de história do Oscar, não é sem antes reconhecer tudo que o levou até esse lugar simbólico, começando pelo filme que menos de 10 anos antes deste vencia o prêmio de Melhor Direção em Cannes, Felizes Juntos de Wong Kar-Wai. O que possibilitou a existência de Amor a Flor da Pele três anos depois, mais uma influência de Barry Jenkins em sua obra. Como na vida, no cinema tudo está conectado e um criador influencia outro, influencia outro, até chegar em locais que nenhum deles jamais pensaram que chegariam. Ainda bem!

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