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Foto do escritorFabiana Lima

Sing Sing é lembrete de que a arte é mais do que ferramenta de socialização, um refúgio.

A arte salva. Mesmo sem intenção, a arte salva. 

 

Em 2016, uma pesquisa revelou que os Estados Unidos tinham mais negros na prisão naquele momento do que tinham escravizados na história do país. Em 2020, o relatório mundial da ONU apontou para a incrível estatística de que homens negros eram presos seis vezes mais do que homens brancos nos EUA e que, quanto mais jovens, piores eram os números. 

 

Junto a isso, existe uma crença, decorrente da herança escravagista do país, de que homens pretos, quando não sujeitos necessariamente marginalizados, são esses indivíduos brutalizados, o que implica em um conceito de masculinidade extremamente opressivo aos seus corpos. Homens pretos são associados a uma ideia de masculinidade que se espera deles, o que não raro tem relação com comportamentos mais agressivos e violentos, deixando pouco espaço para fragilidades, vulnerabilidades inerentes à experiência humana.

 

Nesse contexto, Sing Sing é uma obra que discute todos esses temas através de uma câmera livre, sensível e uma construção que permite uma relação metalinguística muito interessante entre esses atores e o palco, entre suas condições fora do filme e dentro deste. Detentos do RTA interpretando eles mesmos, mas atuando sob uma camada ficcional que os desafia a ir além. Uma metaficção. 

 

No filme, o personagem de Colman Domingo interpreta um detento chamado Divine G (inspirado em Divine G, ator e produtor executivo americano) que faz parte do grupo real de teatro chamado RTA (Rehabilitation Through the Arts), presente dentro da penitenciária de Sing Sing. Junto a outros colegas detentos, interpretando eles mesmos, o protagonista é a pedra angular do grupo, que apresenta peças inspiradas em grandes clássicos da dramaturgia como Hamlet e Rei Lear. Além de ator, ele também escreve peças em sua cela e enfrenta um julgamento como culpado injustamente por um crime que não cometeu. Certo dia, Divine G se aproxima de Clarence Maclin, com o qual compete pelo papel de Hamlet em uma adaptação cômica da tragédia. O que começa como rivalidade, aos poucos se transforma em uma bela relação de amizade. 

 

Embora esta seja a trama central, bastante simplória, a forma como Sing Sing desenvolve sua camada metaficcional possibilita uma reflexão profunda sobre o poder transformador da arte como mais do que uma ferramenta de ressocialização, um refúgio frente à realidade brutal do sistema de justiça penal e penitenciário do país e uma maneira de encontrar vulnerabilidade em meio a um ambiente em que esta não é esperada. É uma maneira de nos lembrar de como os palcos e suas possibilidades podem abrir caminho para a liberdade. Corporal, artística, fática. 

 

Seja nas cenas em que o exercício de interpretação é o uso da imaginação como escapismo, ou mesmo na maneira como os corpos se movimentam diante das câmeras e nos palcos, uma constante é a busca eterna por uma realidade distinta daquela vivida no cárcere. O elenco é, simplesmente, fenomenal. Acredito que talvez seja um dos melhores elencos que vi este ano. Não existe nem um ator que esteja fora de sincronia, todos parecem estar à vontade como uma grande família e Colman Domingo integra tudo isso de maneira natural, emocionando o espectador sem qualquer esforço. 

 

Aliás, acredito que este seja o diferencial do filme: emocionar sem necessitar de grandes gatilhos. Quem tem amor pela arte, reconhece seu potencial e percebe a sensibilidade do diretor em filmar esses corpos e suas interações, irá compreender onde o filme quer chegar e onde ele pretende nos tocar. Definitivamente, em um lugar especial. 

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