Baseado em obra homônima, “The Outrun” é um estudo de personagem contemplativo, introspectivo e singelo sobre a luta de uma adicta e sua busca por identidade. Na trama, Rona (Saiorse Ronan) retorna à casa dos pais após um episódio traumático para recuperar-se e encontrar a si mesma, longe do álcool. Em seu processo de sobriedade, a personagem larga tudo o que conhecia antes, em Londres, quando fazia faculdade de biologia, para dedicar-se a um projeto responsável por estudar e proteger animais em perigo de extinção nas ilhas escocesas.
A temática do alcoolismo no cinema, assim como do vício, em geral, tem suas próprias convenções. O arco do protagonista, por exemplo, costuma lidar com o vício limitado a apenas dois horizontes possíveis: a redenção do personagem e a mensagem de superação final, ou a desesperança completa seguida por uma grande lição de moral. Tornou-se cansativo acompanhar, ano após ano, tramas tão maniqueístas no tratamento de um tema tão complexo, ainda mais quando muitas dessas obras sempre nos levam ao mesmo lugar e raras são as exceções.
Nesse cenário é que "The Outrun" se destaca, principalmente por não resumir a sua protagonista ao vício. A personagem vai além do que nos é frequentemente apresentado sobre uma pessoa adicta no cinema. Graças ao recurso da narração em voice-over e ao belo texto da obra, co-escrito por Amy Liprot (a Rona da "vida real") e por Nora, diretora, identificamos os processos íntimos relacionados à maneira como a mente de Rona assimila o mundo exterior e as situações que a impactam. Vira um ensaio.
As suas analogias são belíssimas, especialmente quando encontram a terra e o mar em palavras. Trata-se do corpo que entra em equilíbrio com a natureza e, com isso, se emociona através do encontro com a própria humanidade. A obra soube equilibrar o processo da sobriedade no lugar, também, de uma busca por uma cura espiritual, a partir de uma dose considerável de crenças e questões que vão além da compreensão humana, envolvendo mitos populares e estórias surrealistas.
É admirável o ímpeto da diretora em ir além, em abraçar esse lugar intimista. Um dos tópicos mais poderosos do filme, nesse contexto, diz respeito à maneira como Rona muda a concepção juvenil que tem sobre seus pais, presente no olhar doloroso da protagonista direcionado ao pai em meio a uma crise de bipolaridade e, por outro lado, à mãe, de maneira cautelosa e cuidadosa, é um sinal de que ela renasce também enquanto filha.
Acredito muito que existe um momento de renascimento de um filho, o qual acontece exatamente quando este passa a perder as noções românticas que possui sobre os seus pais e passa a vê-los como pessoas tão frágeis quanto qualquer outra. A atuação magnética de Saiorse Ronan, especialista em transpor certa urgência e pessoalidade aos dramas de seus personagens, emociona com uma nova compreensão de mundo que agora guia Rona pela sua vida e pela batalha pessoal com a qual deve lidar para sempre.
Não existe nada de extraordinário no filme, mas sem dúvidas é uma obra especial. Pequena, honesta, singela e bonita de se ver.
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